A teoria (pouco)liberal e o caso das raríssimas

Sabemos que há o Estado intervencionista e o Estado liberal, em que o primeiro intervém na economia e no social e o segundo só se devia dedicar à segurança e aos tribunais. Entre o Estado liberal (mínimo) e o Estado intervencionista (máximo com mercado), existem uma série de meios termos, um desses é o caso português que é um Estado que intervém pelo menos no social, mas deve fazê-lo principalmente através do terceiro setor, dentro da lógica (neoliberal) do que é feito pelo Estado tende a ser ineficiente.
Este modelo híbrido resulta de historicamente termos sido já bastante intervencionistas, mas o centrão e direita têm vindo a reduzir o papel do Estado ao papel de financiador do setor social, porque a gestão privada das IPSS é mais eficiente. Esta demanda contra a gestão do Estado acentuou-se com o governo de Passos Coelho. Temos assim o aumento do financiamento Estatal, mas gestão das IPSS. O mesmo foi feito na educação, com os chamados contratos de associação, em que o Estado financia, mas a gestão é privada. Concluindo: a direita não teve de início coragem de desmantelar o Estado social, mas tem vindo a fazê-lo de forma encapotada e com o argumento de que o terceiro setor tem uma gestão mais eficiente, mas tudo se acentuou com o governo de Passos Coelho, que foi ideologicamente mais claro.
Outra ideia deste liberalismo à portuguesa é a gestão pública dever ser comparada com a gestão privada, criando-se a ideia que a gestão pública beneficia desta concorrência e comparação. Insere-se nesta visão a criação das PPPs, coisas públicas com gestão ou financiamento privados. Esta ideia está na base das PPPs da saúde, onde a par de hospitais com gestão pública temos também hospitais públicos geridos pelos privados.
Mas, neste cantinho à beira-mar, não se reduz o financiamento ao setor social, as taxas de rendibilidade das PPPs são mais elevadas que no privado, porque é preciso atrair os capitais privados.
Ou seja, a intervenção do Estado não se reduz às fronteiras dos liberais, justiça e segurança, passa para economia e setor social, mas de preferência com gestão privada e financiamento privado com rendibilidades superiores para atrair capitais privados. É um Estado social, mas de preferência com os privados a gerirem. Outro aspeto desta cegueira ideológica a favor dos privados e da autoregulação - que nasceu no setor financeiro  e transbordou para outros setores - é que a fiscalização não ser necessária e logo é descurada.
Concluindo nós criámos uma coisa híbrida, com intervenção do Estado, mas com gestão privada e pouca fiscalização. Mantivemos os gastos avultados do Estado intervencionista, mas descurámos o rigor dos autenticos liberais com a coisa pública, presente numa fiscalização rigorosa e na necessidade de regulação.
Deste caldo que é o resultado de uma evolução histórica, em que se partiu de um Estado muito intervencionista, diminuído com as privatizações na economia, mas no social, sem diminuição de despesa social, mas com gestão privada, que se foi construindo depois da 1ª revisão constitucional, criámos as condições para o que aconteceu com as raríssimas. Projetos sociais interessantes entregues ao setor social, com financiamento público, gestão privada, mas sem fiscalização.
Além disso, a gestão política da alternância governativa, levou a que fossem convidados para os órgão sociais pessoas dos partidos do «arco do governo», para garantir que o financiamento se mantivesse.
Juntando a isto a fraqueza humana, emprego para a família, fator C, ganância e as relações sentimentais que surgem sem aviso, chegamos ao caso das raríssimas.
O nosso modelo falhou, porque no seu hibridismo, se avançou para um pseudoliberalismo, à sombra do Estado sem que este fiscalize. É o «liberal à portuguesa», que quer dinheiro do Estado, mas gestão autónoma privada e rédea livre. 

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