O debate sobre as mais valias do imobiliário

Este debate apareceu muito partidarizado na comunicação social e devia ter sido mais técnico, porque tem um problema real subjacente e não tanto político.
Na raiz do problema está a subida acentuada do preços das habitações, que começou em Lisboa e no Porto, mas já chegou às cidades do interior e do litoral com ensino superior, como Bragança, Vila Real e Faro. Neste inicio de ano letivo os estudantes do superior queixam-se de quartos caros ou inexistentes, o que mostra que o problema tende a transbordar para para cidades mais pequenas.
Depois de anos de crise em que a construção civil abrandou, não só nas obras públicas, mas também para construção de casas, a retoma começou pelas habitações de luxo a reboque dos vistos golden e depois impulsionada pelo turismo, nos últimos 4 anos, principalmente pela reconversão de muitas habitações para alojamentos locais, nova tipologia turística. Com o boom do turismo estas reconversões justificavam-se pelo rendimento que proporcionavam aos seus proprietários.
O outro lado desta moeda foi o aumento dos despejos facilitados pela legislação Cristas (sua autora no governo anterior) que criou mecanismos mais eficazes para os despejos se consumarem, criando problemas em certos grupos etários (os mais idosos) e problemas sociais com a desertificação mais acelerada das cidades, quer porque os moradores habituais saíram ou foram expulsos, quer porque os mais novos não têm rendimentos para viverem no centro das cidades, restando-lhes as periferias.
Esta situação de excesso da procura, quer porque o turismo a impulsionou, quer porque a construção ou reconstrução diminuiu acentuadamente nos anos de crise, enfraquecendo a oferta, levou a uma subida muito acentuada dos preços.
Este é o problema. Para a sua resolução há duas filosofias, uma deixar o mercado funcionar que mais cedo ou mais tarde haverá correções, tese liberal, que poderá levar a uma crise acentuada no imobiliário ou intervir para corrigir os excessos, provocando uma correção mais calma, tese intervencionista.
A tese liberal tem um defensor, o CDS. A tese intervencionista apresentou duas propostas, uma do bloco, a chamada «taxa Robles», que visava agravar a tributação das mais valias que o mercado imobiliário está a permitir. Quando esta proposta surgiu na opinião pública foi logo colada ao caso Robles, para impedir que fizesse caminho, aparecendo o PS a desqualificá-la por já existir tributação de mais valias. Claro que o PS compreendeu a questão, mas a pouco menos de um ano para eleições, não queria aparecer colado a um agravamento do imposto de mais valias, para mostrar a sua colocação ao centro, onde calcula que esteja o seu eleitorado e que disputa com o PSD, restringindo a sua aliança à esquerda à recuperação de rendimentos (onde procura ter a sua costela de esquerda, sendo em tudo o resto centrão).
O PSD veio neste caso compreender que é preciso intervir para evitar os excessos do mercado e então defendeu o desdobramento do imposto de mais valias em pelo menos duas taxas conforme os anos de posse do imóvel pelos proprietários. Esta atitude do PSD aparece para demarcar a atual direção da direção anterior que ajudou a promulgar a lei Cristas sobre despejos. Não sei se por necessidades táticas, esta demarcação, quer por estratégia por acreditar que o mercado tem insuficiências que podem ser atenuadas pela intervenção do Estado.
O BE teve o mérito de colocar este tema em discussão. Confundir um problema real com o caso Robles foi uma mera jogada política. O PSD aceitou a existência do problema e enriqueceu a sua discussão com uma proposta.

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