Um caso de um trabalhador que vai votar Chega

 Venho trazer-vos aqui um caso de um trabalhador, daqueles que ganham menos de 1000€, que me confidenciou que vai votar no Chega. 

Este trabalhador a poucos anos da reforma queixa-se de não atingir o escalão máximo que a carreira permite, porque nas classificações tem sido ultrapassado por colegas que fazem muito menos. 

Este trabalhador gosta de fazer comentários políticos e participar em sessões públicas da câmara e, como lhe disseram vários superiores, isto invalida que seja candidato a melhores classificações.

Entretanto, com a política salarial dos últimos anos, em que subiram os salários na base, viu os novos ficarem com rendimentos quase idênticos aos seus, o que constitui outro fator de revolta, ou seja, temos trabalhadores recém entrados a ganhar quase tanto (50/70€ a menos) como um trabalhador em fim de carreira.

O que é que este caso nos diz:

a) em primeiro lugar, que o mérito é desqualificado quando não há alinhamento político. É este compadrio que afastou certos trabalhadores do centro e que se traduz no postulado: ou és dos meus politicamente ou estagnas. Solução: o sistema de classificação dos funcionários tem de ser alterado para passar a ter critérios objetivos e mensuráveis, deixando de facilitar a subjetividade. 

b) em segundo lugar, nas democracias temos de separar claramente as competências técnicas das tendências políticas, ora, isto não tem acontecido na sociedade portuguesa e o gerencialismo, gestão baseada numa cadeia de comando vincada, veio agravar este enviesamento em relação a uma gestão democrática e respeitadora da diferença. Solução: reforçar a gestão democrática e pluripessoal, em que deixe de haver a avaliação unipessoal e passe a haver uma avaliação dispersa por várias pessoas e com mecanismos independentes de recursos das classificações. 

c) as políticas de rendimentos têm favorecido os escalões mais baixos, prejudicado os rendimentos médios, o que estreitou a grelha salarial nos primeiros escalões prejudicando os trabalhadores mais antigos, ao mesmo tempo que os altos rendimentos se reforçaram, ou seja, o leque salarial diminuiu nos primeiros escalões, mas aumentou em relação aos últimos. Solução: tornar os rendimentos mais justos, não só diminuindo o leque salarial entre o primeiro e o último, mas também aumentando e repondo a diferença salarial dos níveis de entrada e dos níveis intermédios, que já existiu. 

d) afinal o sistema permite o sentido crítico na sociedade e em todos os níveis, ou a crítica é um privilégio dos que detêm o poder ou que por ele lutam, devendo tudo o resto ser passivo?

Concluindo, quem cria injustiças, quer com base na opinião política, quer com a política de rendimentos permite que os populismos cresçam. 

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