A questão das rendas e o investimento

O investimento é absolutamente necessário para a economia, pois é com ele que se constrói o futuro, ao repor ou aumentar a capacidade de produção, inovar e melhorar a tecnologia. Aliás no centro do modelo da esquerda, baseado em salários condignos, estará o aumento da produtividade só alcançável com investimento que melhore a tecnologia incorporada no processo produtivo e introduza inovação.
Pegando no velho exemplo de Ricardo, numa economia produtora de trigo, seria necessário reservar uma parte da produção para a sementeira seguinte (investimento de reposição), mas também selecionar o trigo que mais se adapta às condições de solo e climáticas (inovação), acrescentaria, para tornar a parábola mais contemporânea.
Mas temos de reconhecer que nem todo o investimento é bom, por exemplo os investimentos estrangeiros que não transferem tecnologia, os investimentos que só procuram a exploração desenfreada do trabalho, os investimentos que só existem em setores que além do lucro normal tenham também rendas, que serão os investimentos que exigem taxas de lucro acima da média do mercado. Por exemplo se a taxa de lucro média é de 10% e se se consegue uma taxa de lucro de 20%, estaremos perante um investimento rentista, pois exige além da taxa normal o dobro. Este investimento é pernicioso porque transfere riqueza de todos os outros setores da sociedade para os setores rentistas.
Em Portugal isto tem acontecido com a banca, a energia, as telecomunicações, para só falar dos mais importantes. Estes setores já foram geridos pelo Estado, depois foram privatizados, com a promessa de se introduzir concorrência para baixar as rentabilidades destes setores. Ora, isto não tem acontecido, o que se passa é as empresas se agarrarem às rendas e lutarem conta a abertura à concorrência. Além disso em Portugal estes setores foram construídos pelo Estado e o grosso do investimento realizado já estava feito. Hoje é preciso um investimento menor para se acompanhar a tecnologia e adaptar as necessidades de produção à evolução do consumo.
Contextualizada historicamente a questão entremos na questão da falta de palavra do PS para com o BE sobre o imposto sobre as rendas excessivas das energias renováveis. Ouvi ontem o debate entre o deputado do BE e o representante da associação representativa dos empresários e ficou provado que há de facto rendas neste setor, quando 12% da atividade gera lucros de 27% do total, comparando a atividade da mesma empresa, no mesmo setor, mas em países diferentes. Reconhecida estas rendas, o argumento foi que os contratos são para respeitar, senão pode acontecer como em Espanha, onde o governo fez o mesmo, criou um imposto para diminuir as rendas, mas em tribunal tem vindo a pagar indemnizações.
Portanto, o argumento é jurídico, isto é os contrato tem de ser cumpridos. Este argumento é interessante, porque quando houve novos impostos sobre o trabalho, isto também violou o contrato de trabalho em que estava previsto um certo rendimento líquido para os trabalhadores, que foi de repente diminuído substancialmente. Ou seja, só os contratos com as empresas é que têm segurança jurídica e não podem ser alterados com alterações de impostos! Os outros contratos, nomeadamente os do mundo da trabalho não gozam da mesma segurança jurídica! Ou seja, existe uma interpretação da lei para as empresas e outra se for para particulares!
Concluindo no limite o Estado não poderá alterar os impostos, muito menos para as empresas, logo ficará sem instrumentos para responder ao ciclo económico. Este é o argumento jurídico. Mas, a verdadeira questão é social, ideológica e política, a uns damos tudo e a outros damos o mínimo para que não haja instabilidade - senão afastamos o investimento. Ou dito de outra maneira, a justiça deve ser cara para os poderosos/ricos poderem reclamar os seus direitos e os outros, sem rendimentos adequados, ficarem excluídos, pela impossibilidade material de acesso ao direito. Este foi o argumento não explícito aceite pelo PS e usado pela associação de investidores.


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