O debate ideológico e a questão da dívida

Está em curso um debate na sociedade portuguesa sobre aproveitar a conjuntura favorável - crescimento europeu e juros baixos - para termos mais crescimento ou menos dívida. Este é um debate falso, porque com o crescimento, se a dívida se mantiver, como o denominador a cresce, a dívida em percentagem do PIB por si só também vai decrescendo.
O acento tónico no decréscimo mais acentuado da dívida é uma opção ideológica que visa acima de tudo travar a recuperação de direitos em curso na sociedade portuguesa. Veja-se a questão do salário mínimo ser 580 ou 600, pôr o cronómetro a andar, mas sem recuperar o tempo em que esteve parado, etc.
Debatem-se dois modelos de desenvolvimento, um dos salários baixos e trabalho sem o mínimo de direitos e que transformaria Portugal na zona de recreio dos europeus, com base no turismo e em indústrias e serviços de mão de obra intensiva, e outro, que se centraria no desenvolvimento tecnológico, com direitos laborais e níveis salariais mais próximos dos padrões europeus, em que a subida do salário mínimo empurraria as empresas para a melhoria da tecnologia e desta maneira aumentariam a produtividade média.
A direita aparece a medo a defender o modelo dos salários baixos. A medo porque não assume claramente esta visão estratégica. Aparece, antes, ligada ao receio de nova crise, catapultada por uma recuperação de direitos mais rápida, esquecendo-se que a crise que nos abraçou teve origem no sistema financeiro e não nos direitos dos trabalhadores. Assim, a preocupação central da direita é o défice e seu impacto na dívida. É por esta via que procuram atacar a recuperação de direitos.
A esquerda situa-se claramente no modelo em que aposta na evolução tecnológica como motor do desenvolvimento e na recuperação de direitos. Mas dentro da esquerda, o PS, quer fazê-lo sem provocar rupturas, principalmente preocupado com a nossa envolvente externa, ou seja, com a política europeia de rigor financeiro e em agradar aos mercados. O que é preocupante é que alguns socialistas só têm na teoria o discurso do desenvolvimento tecnológico, enquanto na prática, obstaculizam a recuperação de direitos. É exemplo disso estar fora da agenda mexer-se nas leis laborais, que regrediram durante a tróica, medida sem impacto na dívida pública.

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